[ad_1]
“Tinha de competir com rapazes e cobria a minha cabeça para não verem que eu era uma rapariga. Ia para os treinos com um chapéu, porque as raparigas não podiam entrar em pavilhões desportivos. Quando fui apanhada e impedida de voltar, comecei a treinar-me em casa. Escondia-me e tinha muita vergonha, mas isso tornou-me mais forte”.
Esta frase foi dita por Dunya Aboutaleb, atleta de taekwondo da Arábia Saudita. E este texto poderia ser só essa frase à Voga – uma rapariga árabe que, no seu país, não podia fazer desporto, mas que teve de arranjar maneira. Mas há mais um par de coisas que podemos dizer.
A Arábia Saudita não é propriamente um exemplo de apreço pelas mulheres no desporto – e isto é eufemismo. Só depois da ameaça de exclusão do Comité Olímpico Internacional é que a nação lá aceitou enviar mulheres para os Jogos Olímpicos de Londres.
Aos 27 anos, Dunya tornou-se a primeira mulher saudita a apurar-se para os Jogos Olímpicos – as que cá estiveram antes, e só começaram a vir em 2012, chegaram por quotas de representatividade e não tiveram desempenhos de relevo.
Dunya não só conquistou o seu lugar por mérito desportivo como veio a Paris com ambição de ouro – não apenas medalha, mas a de ouro. Mas ficou longe disso.
Nem uma palavra
Nesta quarta-feira, perdeu por 2-0 frente à campeã olímpica Panipak Wongpattanakit, na categoria 49kg do taekwondo olímpico.
No Grand Palais, Dunya não quis falar com ninguém. Nem depois do primeiro combate, que ganhou, nem depois do segundo, que perdeu.
E perdeu de forma clara, com 4-1 na primeira ronda e 13-3 na segunda, sofrendo golpes intermináveis da adversária tailandesa, que garantiu que as quatro medalhas sauditas em Jogos vão continuar a ser todas de homens.
No fim, nem uma palavra de Dunya. Seguiu caminho, ignorando jornalistas internacionais – não havia um único saudita –, não se prestando sequer a dizer que não queria falar.
Fê-lo protegida pela guarda de honra de um funcionários de modos rudes e até valentões – não queriam cumprir os caminhos definidos pela organização para os atletas, instigaram a atleta a saltar barreiras e trataram mal os funcionários que tentavam guiá-los pela via certa.
Por que motivo uma atleta que faz história pela Arábia Saudita, pelas mulheres e pelas mulheres árabes desperdiçaria uma oportunidade tão boa de contar a sua história ao mundo, com orgulho, falando dos tempos em que o país dela não lhe permitia seguir o um sonho e lhe limitava a liberdade?
Há duas ou três explicações possíveis, mas ficarão no plano da especulação. Consideremos apenas que Dunya estava desiludida com a derrota e com pouca vontade de falar.
Já aparece em ao ar livre
A Arábia Saudita tem tentado aliviar, em parte, as regras de restrição às mulheres – na condução e no mercado laboral, por exemplo – e Dunya tem aproveitado.
A lutadora já conquistou medalhas em provas continentais e mundiais e, em 2022, o bronze no Mundial era tudo o que a nação saudita precisava para mostrar que deixou o conservadorismo no passado.
“A federação saudita tem-me apoiado desde o meu sucesso asiático”, chegou a dizer Dunya, que apareceu na altura certa para o poder saudita.
Não só Dunya já pode competir abertamente e pode fazer disso uma ocupação como até tem tido algum apoio estatal, tendo a sua imagem em ao ar livre e campanhas.
Mas isso é agora. O caminho até aqui foi tudo menos facilitado pelo país. Foi o pai quem a aconselhou a escolher um desporto de combate de menor expressão, como o taekwondo, no qual pudesse não dar tanto nas vistas, numa fase em que o exercício físico nas escolas não era permitido às raparigas.
“Quando comecei, aos oito anos, o taekwondo não era popular. O meu pai percebeu que as mulheres poderiam deixar a sua marca na Arábia Saudita. Disse-me ‘continua a treinar, porque um dia as mulheres vão fazer uma marca histórica no reino da Arábia Saudita. Tu, minha filha, serás a primeira mulher a deixar a sua marca no Reino’. Sempre me apoiou e mesmo quando eu quis sair ele encorajava-me a continuar”, explicou à Voga.
Dunya treinou em casa durante muito tempo, depois de ser expulsa do clube onde treinava com rapazes, mas os desempenhos nas provas asiáticas nos últimos quatro anos abriram-lhe portas.
Era um talento impossível de ignorar ou foi o país que quis mesmo mudar a visão relativamente às mulheres? Talvez um pouco de tudo – e talvez Dunya tenha aparecido no momento certo, com a Arábia Saudita a tentar dar uma imagem diferente do que por ali se passa.
Com um lavagem esportiva aqui, uns investimentos avultados ali e umas reais e elogiáveis mudanças práticas acolá, o país parece estar, aos poucos, a dar palco desportivo e social a algumas mulheres. Em Paris, ela não falou destes temas? Não. Se calhar estava apenas chateada com a derrota.
[ad_2]
Source link