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Há momentos na vida em que sentimos a futilidade de qualquer esperança. Como um dia em que vestimos a melhor roupa, preparamos o melhor penteado, colocamos o melhor sorriso, apenas para colocar o pé para fora da porta e logo ser recebido com um belo presente de pombo na cabeça, perdoe minha sinceridade gráfica.
Ver o que este Governo pretende fazer com a RTP me provocou esta sensação. Não falo nem do impacto que a perda de 20 milhões de euros em receitas de publicidade terão em todos os canais de televisão, rádio e plataformas anexas que a RTP detém e que a tornam num dos melhores exemplos de serviço público de informação e cultura que existe . Estou falando de mim, um jovem artista com o sonho de poder fazer sucesso nesse mundo.
Para quem está começando a carreira no mundo das artes, para quem quer criar e precisa encontrar uma forma de chegar ao público, para quem quer tornar a arte uma forma digna e sustentável de viver, existir uma RTP é uma benção. Porque a RTP é muito mais que oito canais de televisão.
A RTP está lá para os artistas e criadores deste país em todas as plataformas que produz, mas também pela enorme plataforma de divulgação de arte e cultura que representa. A RTP financia centenas de projetos no cinema, na ficção, no teatro, na música, na dança, na pintura e em tantas outras expressões artísticas. A RTP complementa, vai além de outros órgãos públicos, como a DGArtes e o Instituto do Cinema e do Audiovisual, no desenvolvimento de um verdadeiro setor cultural em Portugal.
Quando comecei a querer ver séries portuguesas tão boas quanto séries internacionais foi a RTP que largou formatos tradicionais e começou a criá-las. Quando, como ator, quis trabalhar em séries, foi sempre a RTP a produzi-las. Quando vejo filmes portugueses que gosto, no cinema, muitas vezes terminam com agradecimentos à produção da RTP. Esse agradecimento à produção também aparece em espetáculos teatrais, concertos, balés, exposições, etc… E mesmo quando procurei reportagens, entrevistas, qualquer registro sobre espetáculos em que entrei ou criações próprias, era sempre a família da RTP a abrir a primeira porta de divulgação.
Restringir a atividade, a própria sustentabilidade financeira da RTP, além de um ataque brutal ao próprio núcleo da cultura no país, é uma das maiores ameaças ao sonho de qualquer jovem artista em Portugal.
A receita da publicidade da RTP não paga apenas o Preço Certo e o Telejornal. Pode ser vista, aliás, como uma forma de redistribuição de riqueza, patrocínio, mesmo. Mais do que isso, permitir à RTP financiar-se por meios próprios além do financiamento público devia ser o desejo de qualquer estadista, dos sociais democratas aos liberais – afinal, queremos que as empresas públicas sejam apenas sorvedouros do investimento público ou possam elas próprias gerar lucro e contribuir para o Estado?
Que haja o bom senso e a decência de perceber a gravidade do que está sendo feito, de frear esse caminho o quanto antes.
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